A vida é feita de histórias e cabe às pessoas se perguntarem o que estão fazendo com as suas. A consciência dessa caminhada, que envolve realizações, frustrações, sonhos e perdas, principalmente na última etapa da vida, pode ajudar na revisão de atitudes e escolhas e na busca de alternativas adequadas para alcançar uma longevidade feliz.
Nas muitas histórias vividas, são as perdas que acarretam mais emoções e tendem a se perpetuarem nas lembranças. Por isso, entender como foram administradas no dia a dia, que reparações foram possíveis ou resignações ocorreram, são atitudes que denotam equilíbrio entre as escolhas e as suas consequências.
Na experiência com a clínica psicológica, muitas demandas por psicoterapia têm como causa sofrimentos decorrentes de diversos tipos de perdas. Algumas pessoas sofrem porque perderam um ente querido, outras devido à incapacidade de sonhar, alguns por perderem a fé, assim como os que perderam a esperança. Mas a pior das perdas é daqueles que não têm o que perder, porque nunca conquistaram ou tiveram nada para si, nem para sentir a falta. Estes, nunca sonharam, acreditaram, amaram, confiaram ou tiveram esperança em nada. Diferentemente daqueles que lamentam por terem perdido familiares, amigos e companheiros, eles não têm histórias para lembrar, ensinamentos para transmitir ou para se consolar. Os que sonharam e acreditaram em suas fantasias, ao contrário, podem encontrar novos motivos e desejos e carregar em suas histórias reminiscências de bons momentos. Por isso, a crença de que só é possível ser feliz quem nunca teve uma perda é uma meia verdade, porque se houver envolvimentos, as lembranças não desaparecem com a perda.
O envelhecimento para muitas pessoas representa só perdas, por isso não vivem o dia a dia, permanecem no passado lembrando o que já existiu e esquecem de encontrar novos sentidos e construir novas histórias no presente e futuro. Nessa condição, envelhecer é motivo de lamentos pela incapacidade para superar alguma coisa ou recuperar o que mais gostava de fazer.
A depressão toma conta do viver e inibe momentos emocionais, tanto pela impossibilidade de adequação às mudanças corporais, como pela diminuição da visão, audição, do cansaço, da beleza que se esvai, até pela falta de desejos.
Existe, porém, uma desesperança maior, que demanda mais atenção, que é da percepção dolorida de um tempo que já não volta mais e de não saber o que fazer com o que está por vir. Nesse caso, os desejos e as esperanças tão necessários aos sonhos envelhecem também.
Esses comportamentos indicam que alguma coisa não vai nada bem com as elaborações das perdas sofridas e de que o paciente precisa urgente de atenção.
Existe um princípio psicológico que diz que se existe vida é porque existe pulsão, isto é, energia psíquica. A esperança faz parte dessa energia, que deve pulsar sempre em busca de prazer, não importando época, nem as perdas que ocorreram, muito menos pela idade. Nesses casos, a lógica da psicoterapia é procurar realimentar a motivação para a pessoa se reafetar – retomar os afetos perdidos.
Como profissionais, sabemos que os desinvestimentos afetivos, isto é, a desafetação, gera um empobrecimento nos vínculos afetivos, um abandono de objetivos de vida, tornando o mundo e os relacionamentos do Adulto Maduro sem sentido. Essas dificuldades impedem a realização de satisfações narcísicas, pessoais e podem acarretar uma desafetação parcial, ou até total, com isolamento das pessoas e do mundo.
Os afetos embotados, pela incapacidade de elaborar as diversas perdas nessa idade, perdem sua função principal – a de mensageiros entre o corpo e a mente. Quando isso acontece ocorre a destruição de muitas representações psíquicas – ou talvez de todas elas, destruindo a mente, ocasionando uma perda de funções intelectuais, cujas consequências são prejuízos para as capacidades de autonomia e independência necessárias a um envelhecimento saudável.
Nessa perspectiva, a ajuda que se pode oferecer pode ocorrer através de uma influência vitalizante através da estimulação para a pessoa contar sua história, falar sobre suas perdas, buscar nomear seus sentimentos para compreender sua dor, podendo, desta forma, desenvolver um foco de compromisso com seu envelhecimento, assim como um senso de continuação da própria vida.
Para alguns autores, o importante nesses tratamentos é a retomada das conversas de todo tipo, incluindo da própria história. Isso ajuda a evitar a interrupção da função mental decorrente dos lutos não elaborados e das reações emocionais intensas que impedem o contato com a realidade objetiva e consequentemente a continuidade evolutiva, isto é, continuar compondo sua história.
Por tudo isso, as perdas nem sempre significam apenas subtrações; quando elaboradas, ajudam no crescimento emocional e na maturidade frente às intempéries da vida.
Como cita John Barrymore, “Um homem não é velho até que os lamentos ocupem o lugar dos sonhos”.